sábado, 4 de fevereiro de 2017

O Canibal de São Tomás

- Bem vindos ao “Comida Humana” – disse Cléber erguendo os braços como se fosse abraçar alguém – no vídeo de hoje vamos fazer um torta de carne moída excelente! – finalizou com um sorriso despretensioso.

A câmera posicionada sobre o tripé filmava cada movimento que ocorria na cozinha totalmente branca. Pelo visor era possível ver Cléber preparando o prato daquele dia, uma torta de carne moída.

Cléber fazia aqueles vídeos toda semana, porém ao contrário do que qualquer um imaginaria se soubesse disso, ele não postava nenhum vídeo. Todos os vídeos feitos permaneciam no HD de seu computador, intocados, sem edição, sem comentários, sem curtidas, sem conhecimento do mundo. Mas Cléber não se importava com isso, na verdade ele nunca gravara um vídeo para mostrar ao mundo, eles serviam apenas para sua diversão.

- Primeiro vamos fazer a massa, lembrando que todas as medidas dos ingredientes estão na descrição do vídeo – Cléber pegou o liquidificador e foi colocando os ingredientes – pode colocar todos de uma vez: o leite, óleo, ovos, farinha de trigo, fermento e um salzinho para dar gosto. Agora é só bater tudo e esperar dar o ponto que a gente quer. Eu vou mostrar – ligou o aparelho, seu barulho encheu o ambiente, naquele momento uma música pesada tocaria, pensou Cléber no caso de uma edição.

Cléber era um rapaz solitário, alguns diriam que era esquisito. Sua vida se resumia ao trabalho e a sua casa. Era bancário, solteiro, não possuía animais de estimação. Os vizinhos diriam, se alguém perguntasse, que era uma pessoa tranquila, que nunca deu problemas. Ele realmente não gostava de atenção, preferia ficar anônimo.

- Agora vamos para o recheio – continuou em seu vídeo -, é importante comprar uma carne de boa qualidade. A que tenho aqui é de excelente qualidade, talvez a melhor possível de se encontrar em minha cidade. Peça para o açougueiro moer duas vezes, pode parecer besteira, mas faz diferença. Como tenho moedor em casa, eu mesmo moí.

Quando Cléber encontrava algum conhecido pelas ruas tranquilas de São Tomás apenas acenava com a cabeça. Dificilmente falava algo, menos ainda parava para trocar qualquer sílaba que seja, nem mesmo um “oi”. A sua vida toda foi assim. No colégio sofreu um pouco com as gozações dos colegas, mas por sempre ser quieto o pessoal acha que ele não ligava, portanto sempre o deixavam em paz, porque era chato tirar sarro de alguém que não liga.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Dossiê: Passageiro do Chapéu de Feltro

Localidade: São Tomás/SB. A cidade se localiza no interior do Estado, a sudoeste, construída no centro de um vale rodeado por colinas com pastos para o gado. População: aproximadamente 100 mil habitantes.
Data: os eventos aqui narrados ocorreram durante todo o ano passado, porém a data do evento fatal foi determinada como 22 de dezembro daquele ano.
Vítima: Carlos de Almeida Barros, vulgo “Carlão do táxi”, 31 anos, 1,77 metros de altura, 86 quilos, solteiro, taxista, natural de São Tomás/SB.
Acidente: o veículo dirigido pela vítima, utilizado para o trabalho, foi encontrado no precipício a norte da cidade, em 26 de dezembro passado. Encontrava-se totalmente retorcido, indicando a queda. O corpo da vítima encontrava-se no assento do motorista, porém a cabeça foi encontrada a cinco metros de distância do veículo.
Na vegetação que cobre a beirada do despenhadeiro, constaram-se sinais de frenagem brusca, com as marcas dos pneus bem visíveis, compatíveis com o veículo dirigido pela vítima.
No veículo foi encontrado, além do corpo da vítima, alguns pertences pessoais e um chapéu de feltro preto no banco traseiro.
A causa de morte foi determinada pelo legista como sendo infarto agudo do miocárdio. A cabeça se separou do corpo devido ao tranco que o veículo sofreu quando alcançou o chão do precipício, embora isso não seja comum. Havia algumas pegadas ao lado do veículo, com padrão estranho.
A polícia deu por encerrado o caso, declarando que foi um acidente, no qual Carlos teve um ataque cardíaco enquanto dirigia, perdeu o controle do veículo e caiu do precipício, vindo a óbito. Quanto às pegadas supuseram que eram dos próprios socorristas.
A minha conclusão: participei das investigações, de todas as etapas e algumas coisas não batiam, portanto não considerei o caso encerrado e passei a realizar novas investigações por conta própria.
Adiante todos os fatos que pude apurar, bem como minha conclusão.